sábado, 28 de novembro de 2009

- Fernando Pessoa.

Não tenho ninguém em quem confiar. A minha família não entende nada. Não posso incomodar os amigos com estas coisas. Não tenho realmente verdadeiros amigos íntimos, e mesmo aqueles a quem posso dar esse nome no sentido em que geralmente se emprega essa palavra, não são íntimos no sentido em que eu entendo a intimidade. Sou tímido, e tenho repugnância em dar a conhecer as minhas angústias. Um amigo íntimo é um dos meus ideais, um dos meus sonhos quotidianos, embora esteja certo de que nunca chegarei a ter um verdadeiro amigo íntimo. Nenhum temperamento se adapta ao meu. Não há um único carácter neste mundo que porventura dê mostras de se aproximar daquilo que eu suponho que deve ser um amigo íntimo. Acabemos com isto. Amantes ou namoradas é coisa que não tenho e é outro dos meus ideais, embora só encontre, por mais que procure, no íntimo desse ideal, vacuidade, e nada mais. Impossível, como eu o sonho! Ai de mim! Pobre Alastor! Oh Shelley, como eu te compreendo! Poderei eu confiar em minha mãe? Como eu desejaria tê-la junto de mim! Também não posso confiar nela. Mas a sua presença teria aliviado as minhas dores. Sinto-me abandonado como um náufrago no meio do mar. E que sou eu senão um náufrago, afinal? Por isso só em mim próprio posso confiar. Confiar em mim próprio? Que confiança poderei eu ter nestas linhas? Nenhuma. Quando volto a lê-las, o meu espírito sofre percebendo quão pretensiosas, quão a armar a um diário literário elas se apresentam! Nalgumas até mesmo cheguei a fazer estilo. A verdade, porém, é que sofro. Um homem tanto pode sofrer com um fato de seda como metido num saco ou dentro de uma manta de trapos. Nada mais.

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