quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Noite Sólida




A noite era quente, quase sólida. O ar pesado que entrava pela janela entreaberta do único quarto da casa não deixava João dormir direito.


Na verdade, o que o impedia de dormir era a ausência. Era como um buraco aberto em seu ventre, que por nada havia sido ocupado desde então. Desde que ao seu lado, nada mais dormia.

Naquela noite, a ausência estava acesa. João se sentou na lateral da cama, sem abrir os olhos, apalpou a mesinha de cabeceira até encontrar seus cigarros e seu isqueiro. Ele se levantou, andou através do pequeno cômodo, passou pela sala e chegou até a janela, que se deixava invadir por um bafo quente.

Parado, e com os olhos verdes fixados em um letreiro luminoso que piscava em laranja e azul em um prédio próximo ao seu, ele pensava em tudo que havia sonhado para aquela noite.

Apoiando uma mão no batente da janela e com o cigarro apagado na outra, João imitava no ar todos os gestos que lembrara, ainda no primeiro dia de enconto com a perda. Lembros das cartas, das juras, dos afagos atrás da orelha, de tudo. De cada segundo. Após uns poucos minutos de uma intrincada e deprimente encenação, ele jogou o cigarro pela janela, ajeitou a camisa regata branca que vestia e cambaleou em direção ao quarto.

Quando passou em frente a um pequeno espelho que ficava sobre uma mesinha, João se olhou, mas não se viu. Viu metade de seu rosto arrancado, e na outra metade, viu alguem quem não reconhecera mais.

Pensou, "como estes anos me levaram embora de mim", deu mais alguns passos, se atirou na cama, e rezou baixo para pegar logo no sono. Ele precisava dormir.

2 comentários:

  1. wow! Cara, tu é deveras talentoso.
    conforme fui lendo, fui sentindo me como o rapaz do olho verde e regata!
    beijo e parabéns.

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  2. sou o rapaz o olho castanho e blusa pólo!
    rs

    foda!

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